Neste artigo, originalmente publicado em Metropolis Magazine como "A Time-Out," Carl Robinson relembra a arquitetura de Ho Chi Minh City dos anos 1960 e discute como a paisagem urbana mudou nos anos seguintes. Com o Vietnã enfrentando uma crise econômica, ele questiona, como a cidade pode se desenvolver?
Nos últimos 15 anos, com o Vietnã finalmente deixando seus longos anos de guerra para trás, a antiga capital de South Vietnam - Saigon - se tornou a potência econômica do país. Até recentemente, Ho Chi Minh City (HCMC) era uma cidade em crescimento. Mesmo antes de seu movimentado aeroporto internacional, havia novos edifícios se erguendo entre os subúrbios alastrados e lotados, espalhados pela paisagem dos rios sinuosos ao redor da cidade.
No centro, onde as torres da catedral da cidade uma vez dominaram skyline, uma silhueta impressionante de edifícios alcançam o céu tropical. O sentimento do século XXI da cidade continua através de seu novo terminal (projetado por GWA) e por uma ampla avenida com edifícios contemporâneos de escritórios e lojas. Eventualmente cheguei às ruas arborizadas da velha Saigon, o bairro residencial criado pelos franceses há mais de 150 anos.
Na cidade que conheci em 1964 - antes de um grande número de tropas norte-americanas chegarem e a guerra se intensificar - os edifícios franceses coloniais de Saigon resistiram com um charme lânguido e decadente. O mofo subia pelas paredes rebocadas a cada estação seca. Grandes ventiladores provocavam uma brisa e mantinham os mosquitos afastados. No fim do dia, nada era melhor do que sentar em cadeiras de vime para drinks no amplo terraço ao ar livre do Continental Hotel, apelidado de Continental Shelf, ou na cobertura do Majestic Hotel ao longo do Saigon River, com os incongruentes sons da guerra aumentando à distância.
Em sua estadia colonial de menos de 100 anos em Saigon, os franceses deixaram para trás uma rica herança arquitetônica, refletindo as tendências da mudança do Segundo Império para a terceira República para, mais tarde, art deco e Le Corbusier. Com tetos altos e ventiladores, portas e janelas com persianas, os edifícios coloniais eram adequados ao clima úmido do Vietnã. Nos anos 1930 os franceses haviam desenvolvido uma arquitetura Indo-Chinesa única, fundindo elementos ocidentais e asiáticos, um estilo refletido no Vietnam History Museum e nos jardins botânicos. Também criaram amplas avenidas arborizadas e ruas tranquilas e densas.
Durante o governo Sul Vietnamita de breves 20 anos, muito pouco foi adicionado ao centro de Saigon além do modernista Caravelle Hotel, National Library de South Vietnam, e o infame Presidential Palace, onde vietnamitas no norte atravessaram a tanques os portões no final da guerra em 1975. A população da cidade durante a guerra cresceu com refugiados do campo e se esparramou em uma paisagem lamacenta quase um metro acima da maré alta em blocos de fachada estreita.
Durante os primeiros 10 anos após a vitória comunista, a depressão econômica, guerra em Cambodja e os refugiados no exterior contribuíram para a contínua deterioração da cidade. Em 1986, políticas de linha dura de Hanoi deram lugar a uma economia de mercado ao estilo chinês à qual o sul mais capitalista rapidamente se ajustou. O crescimento disparou em sete a oito por cento ao ano; hoje cerca de 10 milhões da população de 92 milhões do Vietnã vivem em HCMC.
Em meu primeiro retorno, em 1995, encontrei uma cidade virtualmente inalterada. Mas durante os últimos 15 anos, a prosperidade de HCMC tem alimentado um frenesi de construção de novos shoppings e centros comerciais, escritórios e edifícios de apartamentos e grandes projetos de infraestrutura. Apesar da recente crise econômica, a cidade ainda está no meio de uma transformação em massa. Uma vez concluída, ninguém sabe se essa pérola do oriente terá ainda alguma personalidade.
A arquitetura de hoje é uma mistura de novos edifícios genéricos, renovações exageradas, e o antigo sempre ameaçado. Dinheiro e influência triunfam sobre qualquer diretriz de preservação existente. Depois de ter conseguido metade um parque público para um grande arranha-céus, Vingroup’s Pham Nhat Vuong (descrito pela revista Forbes como “Donald Trump do Vietnã” e valendo $1.5 bilhões) demoliu um quarteirão inteiro no centro da cidade. O complexo de escritórios e shopping resultantes, de acordo com o ex-diplomata dos EUA James Nach, "parece uma monstruosidade do Ocidente." O interior é um labirinto de ar-condicionado e lojas com poucos clientes.
"Não parece haver nenhum limite para o que se pode construir aqui", diz Jim Okuley, um residente de longa data e advogado. Desde a inauguração em 2010, Bitexco Financial Tower domina a paisagem. Projetado pelo arquiteto Carlos Zapata, o edifício de 68 pavimentos em forma de banana se eleva sobre do distrito financeiro da cidade. Mas sua enorme parede de vidro e venezianas descontroladamente tortas no interior dão ao edifício uma aparência desleixada. A torre parece um gigante desalinhado. E o que inspirou o heliporto no 52° pavimento? (Talvez a queda de Saigon.)
“A maioria dos edifícios coloniais foi projetada tendo em mente o clima, com profundas varandas, sacadas, balanços graciosos cobrindo as calçadas, pátios ajardinados - não apenas para sombra, mas para proteção das chuvas", diz Derek Hoeferlin, um arquiteto e historiador da Universidade de Washington. "As ruas arborizadas também diminuem bastante a temperatura. Todos os novos arranha-céus rejeitaram totalmente isso."
O padrão se repetiu sobre toda a cidade, agora vasta. "Enquanto havia certa inevitabilidade nas novas torres em uma cidade desprovida de espaços modernos para escritórios nos anos 1990, o processo tem sido anárquico, com pouca atenção para o patrimônio ou a criação de espaço público", diz Mark Bowyer, cofundador de Travel Indochina, que visitou pela primeira vez no final dos anos 1980. "Talvez o mais prejudicial tenha sido a pressa em construir espaços de escritórios de baixa qualidade por toda a cidade em quadras pequenas e estreitas. Em muitos casos, moradias e lojas foram destruídas para criá-los. A alma da cidade pagou um preço alto por sua construção."
O Comitê Popular de HCMC (ou câmara municipal) encomendou melhorias cívicas importantes. O outrora odorífero canal Ben Nghe de Chinatown da cidade foi limpo, murado e ajardinado, e o agradável Expressway Leste-Oeste foi instalado. (O projeto incluiu uma melhoria necessária do sistema de esgoto, da era francesa, ambos financiados por ajuda externa japonesa.) A avenida de cinco milhas do aeroporto até a cidade foi ampliada e substituída por fachadas modernas, novamente com o saneamento básico atualizado.
O centro da cidade - onde a maioria dos turistas se hospeda e locais atravessam de moto - foi renovado e com exceção dos novos edifícios banais, nunca foi melhor. Avenidas são revestidas com gramados bem cuidados, sebes e árvores com luzes coloridas para o Natal e o Ano Novo Lunar (Tet). O tráfego é menos caótico; as pessoas agora param no sinal vermelho e motocicletas estacionadas já não obstruem calçadas.
Para aliviar a pressão populacional, a cidade expandiu-se para os arrozais e pântanos onde guerrilheiros vietcongs dispararam foguetes em tempo de guerra. O projeto e maior sucesso aqui é um plano diretor projetado para Saigon Sul. Mas uma proposta ambiciosa para criar uma versão de Shanghai’s Pudong sobre Saigon River encontra-se abandonada, apesar dos $800 milhões gastos movendo 60.000 moradores. O plano diretor de Sasaki Associates está agora implorando por investidores estrangeiros.
Ao mesmo tempo, autoridades tem mostrado uma vontade maior de preservar edifícios emblemáticos da era colonial francesa, como o Hotel des Postes de 1891. Hotéis de propriedade do governo, o Continental de 1880 e Majestic de 1925 também foram restaurados. Mas estes projetos tem "nostalgia" estampada com uma espátula. Elevadores birdcage desapareceram e quartos foram reduzidos para dobrar as taxas de ocupação. O famoso terraço do Continental está agora envidraçado. Uma vez abertas ao clima, antigas moradias também foram isoladas e transformadas em restaurantes de luxo. Tudo tem ar condicionado e o agradável som dos ventiladores é uma memória distante.
Projetos privados fizeram um melhor trabalho transformando apartamentos e fábricas - ainda ameaçados pela demolição, claro - em restaurantes populares e cafés. Em uma viagem recente, Hoeferlin descobriu um edifício de seis pavimentos bem renovado convertido em Saigon River Boutique Hotel, com uma tela de decoração peculiar ao longo de sua estreita fachada. Varandas e um bar singular são acessados por uma escada restaurada no terraço aberto. A arquitetura mais inovadora da cidade é encontrada em casas particulares de fachada estreita, chamadas "casas tubo", de apenas quatro metros de largura.
Muito ainda é mantido da herança arquitetônica de Saigon e, particularmente fora do centro, visitantes podem se deparar com verdadeiros tesouros: o museu de belas artes do início de 1900 próximo ao mercado central, o antigo Banque d’Indochine (1875) no distrito financeiro, ou o antigo Archbishop’s Palace de fins de 1800. Mas nada está realmente seguro. Antigas casas e lojas podem desaparecer literalmente do dia para a noite enquanto incorporadoras limpam lotes e abrem caminho para suas monstruosidades.
Por enquanto, entretanto, o boom de construção desordenada de HCMC, guiado principalmente pelo crédito fácil para empresas estatais, foi espetacularmente à falência. Bitexco e outros novos edifícios e apartamentos estão sofrendo com baixas taxas de ocupação. O centro é pontilhado por terrenos vazios e estruturas construídas pela metade. "Isto deve fornecer espaço de respiro para algum planejamento quando a próxima onda de investimentos chegar", diz Bowyer. "Com a economia do Vietnã ainda em crise, esta pode ser uma saída."
Algum espaço de respiro também podem despertar as autoridades para uma questão ainda mais urgente. "Esta paisagem de delta é delicada e ameaçada pela mudança climática, elevação do nível do mar, inundação urbana e precipitação." diz Hoeferlin, que participou da recente Conferência DELTAS2013 em HCMC sobre convivência com esses ecossistemas. "Arquitetos e cidades precisam transformas estes desafios em oportunidades. O uso excessivo de asfalto, torres de vidro e shoppings com ar condicionado - tudo que vimos em Ho Chi Minh City - criará apenas mais pressão sobre os desafios a seguir."